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quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Quarto 414

Quase ninguem sabe o que significa o quarto 414. Quase ninguem nunca ouviu falar, e os poucos que ouviram a respeito, talvez sintam um tremor no peito. Ela passou a vida inteira ao meu lado, literamente, todos os dias, todos os dias ao longo dos meus 23 anos. Ela viu quando eu dei meu primeiro passo, e falei minhas primeiras palavras. Me segurou enquanto eu fazia escandalo e chorava querendo ir pro trabalho com a minha mae, e eu tinha apenas 3. Aos 5 ela me preparou lanchinhos e suco, arrumou minha lancheira para eu ir para a escola. Ela fazia vestidos para mim - sim, um dia eu usei vestido - e penteava meu cabelo com uma trança bonita. Aos 6 mudamos de estado, era uma casa grande e espaçosa no interior, onde ela passava o dia costurando na sua velha maquina, e eu brincando com os retalhos. Todos os domingos de noite, a casa ficava cheia, ela me colocava a roupa mais bonita e comportada e iamos todos para a igreja. Aos 8 viemos para Curitiba, uma casa pequena, e ela me ensinou a costurar pela primeira vez. Aos 13 eu era uma adolescente chata, branquela e magrela, e ela implicava com as minhas pernas muito finas e muito brancas, e dizia que eu tinha 'zóio de peixe morto'. Aos 15 eu queria usar esmalte preto, bandana e pulseiras de pino, e isso sempre causava uma enorme discussao. Lembro de estar sem sono no meio da noite e ver a luz da porta do quarto acesa, me sentar na sua cama e ficar la, sem dizer uma só palavra. Aos 16 me ajudou a comprar meu primeiro violão. Aos 17 teve que aturar meus piercings e cabelos coloridos. Aos 19 eu finalmente virei gente. Eu viajava final do ano para a casa do meu pai, mas lembro que a sensação de chegar em casa e encontrar com ela era como: estar tudo certo.' Aquele abraço de saudade, aquele cheiro de vó, que só quem tem vó sabe como é, contar as novidades. Lembro dela achar graça dos meus desenhos, e pedir que eu desenhasse uma cachorra de salto alto brinco, anel esmalte e batom. Um desenho que eu nunca fiz, e por mais idiota que possa parecer, choro ao lembrar disso. E quando comecei meu primeiro negocio, minha empresa de camisetas, ela achar incrivel e dizer que eu sempre poderia contar com ela pro que eu precisasse. Aos 23 ela ja nao lembrava muito bem de quem eu era, uma vez chegando da faculdade 23hrs, a luz do quarto dela estava acesa e ela se arrumava para sair: - Eii linda, ta pensando que vai onde toda arrumada? Hein?! - e sorri largo, ela parou me olhou meio sem entender e disse: - Eu acho que eu to sonhando…' Tudo ficou tao claro, que as coisas haviam mudado, entao ela devagar foi desabotoando os botoes para colocar o pijama. Ela perguntava mil vezes a mesma coisa, e eu sempre respondia como se fosse a primeira vez. Com frequencia minha mae perdia a paciencia, e isso nao era certo porque ela nao sabia mais o que estava fazendo. Na ultima semana, passada das 4 hrs da madrugada, reparei que havia uma claridade vinda de fora, quando sai do quarto todas as luzes estavam acesas, corredor, cozinha, copa, quando cheguei na sala, ela estava deitada no sofá, como uma criança. - Eu deitei aqui porque nao conseguia levantar…' Eu fiquei tao chocada com a cena, e sem saber o que fazer. - Vem comigo, vem, vamos pro quarto, deitar na caminha.' Ela se apoiou nos meus ombros e eu usei todas as forças que eu tinha, levei ela ate o quarto, deitei, cobri, fui ate a cozinha, preparei leite e alguma coisa para ela comer, dei um beijo e depois de me certificar que estava tudo certo, fui dormir. Um dia entao, peguei folhas sufites e escrevi 'VÓ TE AMO' e colei na porta do quarto dela e por onde ela passasse, para que sempre que ela visse, ela se lembrasse do quanto eu a amava. Nunca de fato disse que a amava, assim como ela tambem nunca disse para mim, mas eu sei, que ela me amou de uma forma tao grandiosa que eu nunca poderia retribuir. Eu fiz tudo que pude, mas tudo que fiz me pareceu tao pouco. E no dia 9 de abril de 2013, as 11:50 na manha, no quarto 414, o coração dela parou de bater. E o meu, aos poucos, vai parando tambem. Um vazio cada vez maior, um dia voce perde um amor, outro dia voce perde alguem que te ama. E assim a esperança vai secando, de gotinha em gotinha, a vida vai ficando mais e mais vazia, e as vezes seu olhar fica tão distante que voce acha que desaprendeu como ser feliz, e como sorrir. Obrigada por todo o amor que voce me dedicou durante 23 anos. - LUTO *Quarto 414, pacientes terminais.

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